Reconciliando humanos, natureza e tecnologia
J. Hughes
2003-04-14 00:00:00
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No banheiro hoje eu dei uma espiada no tema Dia da Terra em uma das revistas dos meus filhos. “Se os humanos subitamente sumissem da Terra, a vida no planeta continuaria.”

Isso é verdade como um enunciado ou fato, mas para os “ecologistas profundos” e as pessoas influenciadas por eles, isto implica em uma idéia moral: que o ecossistema Terra tem um valor intrínseco independente da humanidade, e que o ecossistema é possivelmente mais importante do que a humanidade.

Nos anos 80 eu fui tentado por esta idéia da “ecologia profunda”, do valor intrínseco da natureza. Como muitos budistas progressistas, eu fui atraído por um tipo de sincretismo budista-pagão que via o ativismo ecológico como uma expressão natural do Ser (ou si mesmo). Eu estava entusiasmado pela emergência dos partidos Verdes.

Os Verdes alemães chocaram a paisagem política entrando no Bundestag em 1984 (câmara baixa do poder legislativo alemão). Eles se auto-proclamaram como tendo uma nova visão radical que iria “pular” sobre as limitações da social democracia, e tecer juntos o arco-íris dos movimentos sociais progressivos que tinham se unido ao movimento trabalhista pós-marxista. Então, como um budista esquerdista, eu fui naturalmente atraído para esta visão da ecologia profunda e políticas orgânicas de defesa da Terra.

Como todos os movimentos carismáticos, os Verdes, na Alemanha e no mundo, quase que imediatamente se dividiram em duas amplas facções. Havia os “fundamentalistas”, que eram em geral ecologistas profundos e anti-eleitorais, e os “realistas”, que eram geralmente mais social democratas e advogavam coalizões com os partidos social-democratas.

Filósofos da ecologia profunda e organizações como “Primeiro a Terra!” começaram a argumentar abertamente aque a população humana devia cair a uma fração do número atual de modo a recuperar o equilíbrio apropriado e restaurar a vida selvagem. Enquanto isso o objetivo final dos movimentos ambientalistas realistas e Verdes eleitorais de esquerda era tentar encontrar um modo de reconciliar o emprego e saúde econômica com o ecossistema sob a rubrica de “desenvolvimento sustentável”. Por volta dos anos 80 estava claro que os ecologistas profundos podiam ser profundamente misântropos, e os Verdes-vermelhos e social-democratas haviam começado a lutar contra a sua influência.

Por volta de 1989 eu fundei a revista on-line Eco-Socialist Review para juntar esse debate, encorajar um diálogo entre os ativistas da justiça social e os ativistas do ambiente, e para construir uma política verde de esquerda. O ESR foi um belo sucesso como revista de simpatizantes, e durante seus sete anos eu me tornei muito consciente de alguns fatos infelizes sobre o estado da política atual.

A inteligência faz a natureza valiosa

Uma percepção foi de que os ataques ecológicos, feministas e desconstrucionistas feitos à arrogância e imperialismo do Ocidente, iluminam o pensamento e têm funcionado todos muito bem. Progressistas e liberais têm geralmente se rendido à idéia de que a razão, a ciência e o poder tecnológico são partes necessárias à auto-emancipação humana. Progressistas têm recuado em serem os campeões do progresso tecnológico, sendo meramente sua consciência crítica. Por que falar igualmente de uma visão esquerdista do progresso quando o inimigo - corporações e interesses militares - usam seus enormes recursos para trombetear as virtudes da ciência e denegrir toda a cautela. Progressistas beligerantes foram progressivamente sendo reduzidos a balir um romântico e fútil “Não!” à força do capitalismo industrial.Uma outra percepção foi que a visão da ecologia profunda foi profundamente não-budista. Em 1993, o filósofo budista John McClellan escreveu “Nondual Ecology”, que argumentava que um olhar verdadeiramente budista não repartiria o mundo em natural (ecosistemas) e não-natural (tecnologia), mas abraçaria a cultura humana e a tecnologia como uma expressão vital do processo evolutivo. Para McClellan, o mundo tecnobiológico co-envolvente, o MetaHomem, pode ser adotado e celebrado como as árvores e animais.

De fato, abordando a ecologia de um ponto de vista budista ou humanista ateísta, somente a vida inteligente dá significado e valor à natureza. Se todos os humanos desaparecessem do planeta o ecosistema poderia continuar, mas o mundo poderia ficar amplamente sem sentido, pelo menos até os golfinhos e macacos evoluírem para o pensamento mais abstrato.

Se o ecosistema somente é valioso porque os humanos o valorizam, e a civilização humana é uma parte do ecosistema, então o ponto não é colocar os humanos para fora da natureza, mas tomar responsabilidade em manejar nossa tecno-biosfera co-envolvente. Um dos ascendentes filosóficos deste ponto de vista ecológico não-dual foi Walter Truett Anderson, que em 1988 escreveu para o Gorvern Evolution:

“Hoje a força diretiva na evolução humana é a inteligência. As espécies sobrevivem ou perecem por causa do que as pessoas fazem a elas e aos seus habitats. Os sistemas da terra, do ar e da água são massivamente alterados pela humanidade que tem se tornado, como colocou um cientista, ‘uma nova força geológica’. Mesmo nosso futuro genético está em nossas mãos, guiado não por abstrações Darwinianas, mas pela ciência e tecnologia médica e políticas públicas. Este é o projeto da era vindoura: criar uma ordem social e política - global - proporcionada pelo poder do homem na natureza. O projeto requer uma mudança de intromissão evolucionária para governança evolucionária.”

Democratização global é um projeto verde

Depois de colocar a Análise EcoSocialista de lado em 1995, eu me voltei para esta nova paixão: encorajar o diálogo entre os muitos tecno-humanistas libertários e os advogados da democracia, ajudando a reconstruir um esquecido humanismo tecno-otimista, utópico, dando asas a um radicalismo democrático.Então o que o humanismo tecno-democrático muda nos dilemas ecológicos? A destruição ecológica é um problema porque ela fere os interesses e preferências humanos, e nossos problemas ecológicos requerem tanto ciência quanto mais democracia. Tecno-democracia é diferente de ambos: ecologia profunda (que sugere que as preferências humanas são precisamente o problema, endereçando para uma auto-negação), e os libertários (que pensam que as preferências humanas podem e devem ser preenchidas pelo mercado).

Os tecno-democratas argumentam que em vez de a ciência nos dar a habilidade de entender as consequências de nossos poderes tecnológicos crescentes, a democracia torna possível para nós usar esses poderes para adquirir sabedoria num possível grupo de interesses, incluindo saúde humana e proteção ecológica.

Os pontos de vista tecno-democratas são críticos da dominação de interesses corporativos nas democracias ocidentais, mas apreciam que as democracias liberais sejam mais sensíveis à sanidade ecológica do que ao autoritarismo.

Depois do colapso das ditaduras comunistas do leste europeu, país após país descobriu desastres ecológicos espalhados, gerados por incontáveis governos que perseguiam a industrialização não informando os movimentos civis. Depois da privatização dessas economias, e sua reforma para democracias liberais, os antigos burocratas estão se tornando bons capitalistas, e estão muitas vezes no controle do estado. Mas agora, no ocidente, cidadãos do leste europeu têm a oportunidade de investigar o derramamento de toxinas em seus lagos, ou sua exposição a toxinas no local de trabalho, e organizar a interrupção dessas ameaças.

Também no ocidente, cidadãos do leste europeu eventualmente levam suas preocupações ecológicas à pauta pública, eles têm a oportunidade de decidir uma troca entre crescimento econômico e empregos, por um lado, e destruição ecológica e poluição, por outro lado. Eles podem eleger Verdes e Social Democratas para seus parlamentos e brigar por políticas públicas e soluções que protejam os interesses de trabalhadores nos empregos, consumidores com produtos baratos e cidadãos na saúde e eco-estabilidade. Para equilibrar a ciência que é paga pelas corporações, os estados democráticos podem construir agências de proteção ambiental e subsidiar pesquisas ecológicas independentes.

Da perspectiva tecno-democrata, controle populacional não é um fim em si mesmo. Apesar de tudo, tanto a ciência quanto a democratização são essenciais para o controle populacional. Ciência e tecnologia tornam possível a contracepção e a civilização industrial que encoraja famílias menores. Democracias liberais provêm mulheres com educação, oportunidade de empregos e planejamento familiar financiado pelo poder público, contracepção e aborto, dando-lhes os meios e incentivando-as a controlar sua fertilidade. Democracias liberais afluentes também requerem que as crianças sejam educadas ao invés de trabalharem em fábricas e lavouras. Elas investem em saúde pública para reduzir o índice de mortalidade infantil. Elas asseguram o bem estar dos idosos através de pensões. Todas são medidas que reduzem o incentivo dos pais em ter crianças como investimentos em seu futuro.

E o carneiro se deita com o leão

A ecofilosofia emergindo como complemento natural da tecnodemocracia é “ecologia de reconciliação” ou “gerenciamento de ecossistema”. Reconciliacionistas argumentam que em vez de tentar proteger a natureza preservando-a da invasão humana, nós precisamos focalizar em fazer das áreas humanamente-ocupadas lugares onde diversos ecossistemas possam viver. Em vez de tentar manter os humanos fora da “interferência” no ecossistema, precisamos tomar responsabilidade pelo ecossistema global e gerenciá-lo responsavelmente.Uma recente síntese da visão da ecologia de reconciliação é encontrada no novo livro de Michael Rosenzweig, Win-Win Ecology. Rosenzweig reduz sua abordagem ao redesenho do habitat humano para compatibilidade com o ecossistema a vários passos simples.

“Primeiro, ele diz, beba profundamente da história natural das espécies que você quer ajudar. Estude seus ciclos reprodutivos, suas dietas, e seu comportamento. Simplifique o essencial de suas necessidades, daquilo que você observar. Então aplique isso sem se preocupar se o seu redesenho da paisagem humana irá parecer com uma floresta. Se não parecer, então sinta-se livre para ser escandalosamente criativo.”

A meta da criatividade exorbitante no serviço de reconciliar tecnologia e ecologia também inspira o micromovimento relacionado liderado por Bruce Sterling, os Viridianos. O manifesto viridiano de Sterling de 3/01/2000 argumenta salvar o planeta de uma destruição ecológica tornando as tecnologias verdes sexis. Para isso, os Viridianos têm patrocinado várias competições de design e promovido idéias eco-high-tech. Como os reconciliacionistas, os Viridianos acreditam que o circunspecto romantismo pastoral dos verdes anti-industriais tem desencorajado as pessoas em abraçar a sustentabilidade; se a escolha é só entre civilização e ecossistema, muitas pessoas escolherão civilização. Mas nós podemos ter os dois.

“All watched over by machines of loving grace” Em 1967, Richard Brautigan escreveu o poema “All watched over by machines of loving grace”, que começa assim:

Eu gosto de pensar (e quanto antes melhor!)

em uma campina cibernética

onde mamíferos e computadores

vivem juntos em mútua

programação harmoniosa

como água pura

tocando o céu claro.

Eu gosto de pensar na visão de Brautigan como uma predição de que um confortável monitoramento e gerenciamento global do ecossistema pode acontecer. Agora mesmo cientistas estão monitorando telemetricamente rebanhos selvagens - de cervos, lobos, ursos, elefantes, golfinhos e crocodilos. Como um analista robô, a nanotecnologia permite nos ligar sem perturbação a virtualmente tudo, e o mundo começando a se tornar densamente entrecruzado pelas comunicações eletrônicas, nós podemos realmente viver num tecno-ecossistema em que tudo é cuidado por máquinas com generosidade.

A nanotecnologia de fato pode nos obrigar a ativar um eco-monitoramento como precaução contra um “grude verde”, como Robert Freitas propõe em “Some Limits to Global Ecophagy by Bivorous Nanoreplicators”.

Freita sugere a necessidade de regulamentos de tecnologia global para auto-limitar a possibilidade de nanoreplicação desordenada, e a criação de um sistema de monitoramente global por satélite para detectar assinaturas e outros traços de ataques de nanoreplicação na natureza. Agora Freitas e o Foresight Institute têm estado juntos com o Conselho para Nanotecnologia Responsável para impulsionar esta agenda preventiva na tecno-democracia.

Com o congresso americano agora debatendo a ameaça do “gray goo” e cenários de superinteligência como parte de financiamento em nanotecnologia, e os ecologistas profundos se mobilizando ao insistir que toda nanotecnologia e engenharia genética tem que ser banida, nós precisamos também considerar que a nanotecnologia e engenharia genética podem ser nossa única esperança para a preservação e restauração ecológica.

Em “Our molecular future”, Doug Mulhall propõe nanoecologia, por exemplo, que é o uso da nanotecnologia para prevenir destruição ecológica usando intensiva tecnologia limpa e de baixo consumo, tornando a humanidade imune a desastres ecológicos e remediando danos ambientais. (Veja o capítulo ecológico de Eric Drexler e Chris Peterson em seu livro “Unbounding the future” para ter uma visão de todas as possibilidades permitidas pela nanotecnologia). Similarmente, engenharia genética torna possíveis safras que requerem menos terra agricultável, pesticidas e fertilizantes.

Nas próximas décadas nós poderemos ter saúde para a humanidade, para outras espécies, e para o ecossistema em si mesmo ameaçado tanto pela tendência tecnofóbica dos ecologistas profundos - e as constituições que têm preguiçosamente adotado suas visões pré-modernas - quanto pelas elites corporativas que querem sacrificar tudo em seu benefício. Com esperança, nós encontraremos os recursos da criatividade, da ciência e da democracia para traçar um curso sustentável.

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* Livre tradução do referido texto: